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"Tudo se fazia com conta, peso e medida. Quem fosse dono de uma fortuna, podia calcular exactamente quanto lhe cabia anualmente de juros; por seu lado, o funcionário e o oficial podiam, com toda a confiança, encontrar no calendário o ano em que seriam promovidos e aquele em que passariam à reforma. Cada família tinha o seu orçamento certo e sabia quanto precisava de gastar (…) Tudo neste imenso império era inalterável e estava firme no seu lugar (…) Ninguém acreditava em guerras, em revoluções e subversões. Todo o radicalismo, toda a violência pareciam não ser já possíveis numa época de razão.
Esse sentimento de segurança era o tesouro mais desejado por milhões de pessoas, o ideal de vida comum.(…) o século da segurança tornou-se o período áureo das seguradoras. Fazia-se um seguro da casa contra incêndios e roubos, da seara contra a saraiva e intempéries, do próprio corpo contra acidentes e doenças, descontava-se para a pensão de velhice (…)
Sociólogos e professores competiam entre si para tornar mais saudável e até mesmo mais feliz a vida do proletariado. (…) Acreditava-se tão pouco em retrocessos bárbaros, por exemplo em guerras entre os povos da Europa, como em bruxas ou fantasmas.
(…)
Tal como o mês de Julho de 1914 tinha sido o mais belo que me lembro de ter vivido na Áustria, também esse Agosto de 1939 em Inglaterra teve uma provocadora magnificência. Era outra vez o mesmo céu suave, de um azul sedoso, como uma tenda de paz armada por Deus, outra vez essa benfazeja luz do sol sobre prados e florestas (…) Tal como antes, a loucura parecia-me inverosímil perante aquela florescência calma, durável, exuberante, perante aquele sossego que respirava e que se deleitava consigo próprio nos vales de Bath, os quais, pela sua doçura, me faziam lembrar secretamente a paisagem de Baden, naquele ano de 1914. "
in O Mundo de Ontem - recordações de um europeu
Stefan Zweig
No âmbito do projecto Floating Islands na Mupi Gallery | Maus Hábitos- Espaço de intervenção Cultural - Saco Azul Associação Cultural
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