Ponto corrido

Rita Senra

[𝗘𝗻𝘁𝗿𝗮𝗱𝗮 𝗟𝗶𝘃𝗿𝗲]

Para chegarmos à poça, vindos do lado da casa, quer passemos por dentro da estufa, quer a contornemos pelo exterior, temos sempre de passar debaixo da figueira.

Apesar desta árvore contar já com doze anos, a sua presença só tem lugar nas minhas memórias quando comecei a colher os seus figos, há três anos.

Até esse momento, eu não gostava de figos. 

Hoje, sempre que a visito durante o mês de Setembro, subo ao telhado do barraco - paredes meias com a poça -, para depois me fazer acompanhar por todos os frutos maduros que se encontram ao alcance de dois braços. Desço, de volta à casa, como e partilho - assim lhes ganhei o gosto.

Desde então, se penso na poça, penso na figueira e, se penso na figueira, penso nas galinhas que vivem à sua sombra. As galinhas são as maiores privilegiadas: todos os figos que caem e todas as cascas daqueles que passam por boca humana, são seus. É por este motivo que acredito que os seus ovos são os melhores ovos do mundo.

Falo-vos do real que tantas vezes roça o absurdo porque é exactamente esse lugar, tão carregado de imagens, de cheiros, de toques, de modos de fazer e de estar, o primeiro lugar de tudo aquilo que produzo.

Ponto Corrido, contos corridos.

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BIO

Rita Senra (Barcelos, 1993) vive e trabalha no Porto. É licenciada em Artes Plásticas pela Faculdade de Belas-Artes da Universidade do Porto. Em 2015, ao abrigo do programa Eramus+, integrou o estúdio de Jiřího Příhody - Akademie výtvarných umění v Praze, República Checa. Desenvolve o seu trabalho artístico nas áreas do desenho e da instalação, dando lugar a exposições, tanto individuais como colectivas, desde o ano de 2014.  É membro do Sismógrafo, um espaço cultural no Porto, desde 2016.