“O maior fenómeno da minha vida aconteceu sobre a forma de uma recuperação. Onde entre purgas, febres, choros, topadas nos pés e muito frio, pensei profundamente naqueles que gastam anos das suas vidas a medir o grau inútil em que conseguem comunicar. E também, como não há nada como encontrar alguém que não queira saber de quase nada a não ser da quantidade exacta de queijo numa tosta mista.

Quem diz uma tosta mista diz, alguém que saiba o nome das bolinhas prateadas que costumavam enfeitar os bolos nos anos 90. Agora que me encontro melhor passo a grande parte do meu tempo a conseguir ser prestável sem levantar suspeitas. Agora consigo pensar menos, ignorando com mais acuidade quase todas as coisas com que embirro. Consigo também pensar menos em coisas tipo, porque é que a Adília Lopes tem um gato em vez de ter um Chihuahua, o cão do deserto de chihuahua.

O que me levou ao estado convalescente em que me encontro foi um desgosto. Um desgosto cheio de falhas e coincidências infelizes. Daquelas que levam gente a ir a pé a Santiago ou a Fátima. Confesso que detesto andar a pé, sendo por isso provável que me embrulhe e desembrulhe várias vezes até me aperceber do irreversível prazo de validade das tripas e do coração.”

Maria Bleck